quarta-feira, 28 de abril de 2010

Artigo de um grande cara...Maurício Pestana.

Porque Narciso acha feio o que não é espelho.
24/11/2009 | Por: Maurício Pestana

Pode o negro ser racista com o próprio negro, não gostar de negro, ou de si próprio? Está é uma pergunta que sempre surge em palestras ou em discussão onde a questão racial é colocada, sobretudo no exterior quando tentamos explicar as nossas complexas relações raciais.
Recentemente em Paris, num seminário que discutia a presença do negro na mídia brasileira, essa pergunta me foi feita, pois no exterior sabe-se que no Brasil muitos negros não se assumem, fato comprovado em pesquisa, quando perguntado qual a sua cor. Surgiram aqui mais de cem denominações, tais como: marrom bombom, cor de jambo, moreno, pardo, meio tom etc.
Sempre que a tal pergunta me é deferida, explico que fatores como educação e mídia têm papel determinante nesta recusa.
Provoco continuamente a seguinte reflexão: imagine uma criança negra que, na sua primeira idade, as referências recebidas dos programas infantis sempre foram de mulheres loiras como apresentadoras e desenhos animados sem nenhum protagonismo negro. Na escola, esta criança percebe que os principais heróis, rainhas, reis e ilustrações dos livros didáticos são todos brancos. Quando começa a se informar, as revistas e propagandas, enfim, quase toda a informação que lhe chega é de um mundo branco, um mundo na qual ela não se vê, ou melhor, quando se vê está inserida em alguma tragédia como a fome na África, caos no Haiti, violência nos morros cariocas ou drama como enchentes. E mais, quando essa pessoa começa a se tornar adulta percebe que os apresentadores dos jornais não são negros, que os principais atores do cinema e da TV não são negros, que as pessoas do cenário político, público e privado em seu país não representam a sua cor e suas origens étnicas.
Ou seja, ela não se vê refletida. Fatalmente caso não tenha um bom preparo psicológico, social e uma auto-estima elevada, começara a se sentir feia, rejeitada, pois “Narciso acha feio o que não é espelho” e o negro poucas vezes se vê espelhado na vida social brasileira.
Mudar esse pacto nefasto entre educação e mídia com reflexo direto numa cultura excludente e discriminatória aqui existente tem sido uma das principais bandeiras do movimento negro brasileiro, cuja vitória mais marcante foi a aprovação há poucos anos de uma lei que obriga o ensino da história da África e de seus descendentes em todos os níveis escolares do país.
Depois da lei, as editoras de livros didáticos começaram a rever os conceitos e as antigas práticas discriminatórias na forma de abordar os heróis e a história dos afros descendentes. Se na área da educação avançamos, o que dizer da mídia brasileira, que continua apresentando o Brasil como escandinavo, no qual somos preteridos até de propaganda de papel higiênico? A falta de diálogo com esses meios nos tornaram praticamente em lados opostos e, em muitas vezes, em confronto com a mídia, principalmente com seu o pelotão de frente, os grandes jornais, revistas e emissoras de televisão.
O primeiro round deste confronto foi a avassaladora campanha que os principais órgãos de comunicação do país fizeram contra as cotas e as ações afirmativas, mesmo tendo essas ações a aprovação de mais de 70% dos brasileiros. Outro round desta batalha poderá acontecer na segunda quinzena de dezembro, onde ocorrerá, em Brasília, a Conferência Nacional de Comunicação - apelidada por alguns como a mãe de todas as conferências.
Existe uma movimentação intensa no governo, partidos políticos, movimentos sociais e empresas de comunicação, que sabem que concessões de canais de televisão assim com acesso e o modelo de comunicação no país tem que ser revisto, principalmente democratizado, com a participação daqueles que tem sido excluídos desse sistema. Cabe a nós uma mobilização extrema e não deixar que continue prevalecendo neste setor: “A força da grana que ergue e destrói coisas belas”

(*) Presidente do conselho editorial da Revista Raça Brasil